A ORIGEM DA FESTA DO CARREIRO CONTADA POR SEU IDEALIZADOR

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Muito se fala sobre a tradicional Festa do Carreiro, mas poucos sabem sua origem e quem a idealizou. Em entrevista à revista Olhaki o ex-prefeito de Portelândia, Valdineis Carrijo, revela detalhes de como tudo começou e conta fatos que marcaram a realização da primeira edição da festa, em 2008, durante sua gestão.

Hoje, responsável pela Secretaria Municipal de Transportes na administração da prefeita Marly David Rezende Rodrigues, sua esposa, Valdineis nos emociona ao falar do retorno do evento agora em maio, quando estará acontecendo a 12ª Festa do Carreiro: “Vai preparando sua traia, seu animal e aquele traje que o carreiro, o tropeiro e o sertanejo sabem bem qual é. O berrante vai tocar de novo e o carro de boi vai cantar nas ruas de Portelândia”, disse ele nesse bate papo cheio de sentimento e saudade.

O senhor foi o prefeito que idealizou a Festa do Carreiro de Portelândia. Como surgiu a ideia de sua criação?
Valdineis Carrijo – Tudo começou durante a construção da Praça do Carreiro na nossa cidade, que recebeu o Monumento do Carro de Boi, com duas juntas de bois em tamanho real. Ali, tivemos também a iniciativa de instalar 20 bancos de madeira esculpidos com os nomes de 20 carreiros considerados desbravadores do nosso município e de toda a região, cujo levantamento ficou a cargo dos nossos vereadores.

No dia 14 de novembro de 2007, no aniversário de Portelândia, fizemos a inauguração da referida praça, mas fomos surpreendidos pela insatisfação de algumas pessoas ao constatarem que o nome de parentes seus não constavam entre os homenageados nos bancos de madeira. Confesso que não esperava aquela reação, mas depois achei justa a reivindicação. Fui ouvi-los e pude me lembrar de outros carreiros que muito contribuíram com a história do município.
O desejo de criar a festa ficou mais forte ainda. Notei naquele momento que a tradição dos carreiros era uma raiz viva, estava pulsando dentro do coração de muitos moradores, envolvia ainda muito sentimento, emoção e saudade.

Prometi então àquelas famílias que no ano seguinte, em 2008, realizaríamos uma grande festa e entregaríamos um troféu em homenagem a todos os carreiros que trabalharam duro e contribuíram para o surgimento de Portelândia, esta cidade querida e abençoada por Deus.

Nas festas seguintes, continuamos homenageando nossos carreiros pioneiros, que não foram mesmo apenas 20, mas centenas deles esparramados em suas frentes de lutas, nas fazendas que produziam as riquezas e alimentavam nossa gente.

Vale lembrar que muitos desses carreiros ainda estão vivos e participam ativamente desta festa maravilhosa que transformou-se numa tradição regional.

Seu pai, o senhor Oclécio, foi um dos maiores carreiros que a região já teve, não é mesmo?
Valdineis Carrijo – Como é bom relembrar aqui a história do meu velho pai e de tantos outros carreiros, que ao longo de suas vidas transportaram o progresso em seus carros de boi e no lombo de suas tropas.

Desde o ano de 2008 tivemos a oportunidade de homenagear vários desbravadores, vários proprietários de fazendas que se transformaram em grandes carreiros. Quero lembrar aqui de alguns nomes que já não estão entre nós e que tivemos a honra de homenagear em vida, na festa, como o senhor Carmindo Machado, fazendeiro e carreiro da cidade de Doverlândia.

À partir da segunda edição, seu Carmindo se fez presente com sua boiada. Ele gostava tanto da festa, que passou a vir rodando de Doverlândia até aqui com seu carro de boi e sua tropa.

Depois ele alongou sua rota, fazendo uma volta pelo município de Caiapônia e juntando outros carreiros e tropeiros, inclusive de Torixoréu, passando pela Serra do Adelino, no município de Mineiros, num percurso de 200 quilômetros, gastando até nove dias de viagem para se chegar à Portelândia. Isso foi fantástico, incrível, inesquecível!

Lembro-me também, de forma especial, da homenagem prestada ao meu pai Oclécio Carrijo, que teve sua vida inteira marcada por essa atividade, desde seus oito anos de idade. Pelo que se tem de informação, meu pai talvez tenha sido o carreiro mais novo da história a conduzir um carro de boi, a assumir essa responsabilidade. Carreou até seus 88 anos, sempre nos ensinando como utilizar o carretão como meio de transporte pesado, tirando toras de dentro da mata e transportando-as para a serraria da fazenda, tocada a água, para serem transformadas em madeiras usadas nas construções.

Devo citar também outros nomes, como os senhores: Antônio Mendonça, Denenzor, Leonel, Valdivino Ricarte, Eliezer Pereira, Gilberto Ricardino e muitos outros carreiros que foram homenageados. Muitos deles, antes de falecer, foram participantes ativos da festa, sempre tocando suas tropas ou carreando suas boiadas.

Deve ter sido muito difícil realizar a primeira festa. Como conseguiu arrumar carro de boi e tropeiros?
Valdineis Carrijo – Realmente foi um grande desafio, mas no ano de 2008, na minha primeira gestão como prefeito, conseguimos cumprir o que havíamos prometido. Realizamos a primeira Festa do Carreiro com apenas um carro de boi e 64 tropeiros.

Naquela oportunidade, pudemos constatar no semblante das pessoas a emoção de reviver um momento mágico da nossa história, quando o único meio de transporte que existia era o carro de boi e as tropas. Ver um carro de boi cantando na avenida, o som de um berrante e o grito dos tropeiros, foi demais para todos nós. Pude ver lágrimas de saudade nos olhos dos mais antigos, a curiosidade e o interesse dos mais jovens que nunca tinham visto aquilo de perto. Foi assim que abraçamos a festa e percebemos que ela precisava ter continuidade, ser aprimorada, sempre trazendo mais novidades e atrativos sobre sua origem.

No ano de 2009, a Festa do Carreiro de Portelândia foi instituída por Lei Municipal, atendendo um projeto apresentado pelo vereador Celso Honório Carrijo e aprovado pelo Poder Legislativo, para que ela fosse realizada anualmente, no terceiro fim de semana do mês de maio.

Como foi a busca de recurso financeiro para a realização do evento?
Valdineis Carrijo – Uma das maiores dificuldades para a realização das primeiras edições sempre foi a questão financeira.

No início, o município não contou com patrocínio algum, seja do comércio ou de governos. Poucos acreditavam que a ideia vingaria. Somente a partir da quarta edição foi que passamos a receber recursos da Goiás Turismo, que ajudou muito nas despesas que a Prefeitura fazia sozinha. Depois, os apoios comerciais foram surgindo com a propagação e crescimento da festa.

Sempre falo que as despesas feitas pela Prefeitura na realização do evento são, na verdade, investimentos. A cada real que o município investe, o retorna para o comércio quatro vezes mais. Sem falar no ganho da população com o entretenimento, a cultura e a alegria proporcionada por essa festa marcante.

Para a festa deste ano, que acontecerá de 18 a 21 de maio, já conseguimos recursos do Governo do Estado, via Secretaria de Cultura. Ganhamos também dois shows de renome nacional, que serão patrocinados por deputados representantes do nosso município.

A festa ganhou sua representatividade e tudo faremos para que ela seja uma das melhores já realizadas.

O senhor gostaria de fazer algum agradecimento especial àqueles que contribuíram para que a primeira festa acontecesse?
Valdineis Carrijo – É difícil citar nomes, foram muitos os que ajudaram. Na verdade, o que mais nos motivou foi a colaboração e o entusiasmo dos servidores da Prefeitura, coordenados por seus respectivos secretários. Mas, não posso falar do seu surgimento sem fazer referência a alguns companheiros de primeira hora, como por exemplo, o saudoso secretário de Administração Juraci Carrijo, nosso querido Piriá, que trabalhou no planejamento e organização da primeira festa.

Tivemos o apoio valoroso do Celso Honório Carrijo, o Fiuti. No final do meu primeiro governo o Celso assumiu a pasta da Administração e continuou no mesmo cargo no meu segundo mandato como prefeito, estando sempre à frente da realização deste grande evento.

Outro servidor público que me ajudou muito, desde o primeiro momento, foi o Klenemar, o popular Mimi. Ele sempre esteve presente nas viagens e andanças em busca de apoio financeiro e de participantes para a festa. Às vezes, até assumia tarefas que eu não tinha condições de realizar, fazendo a mediação com as equipes de coordenação, buscando a união de todos e um excelente resultado.

Também recebemos a colaboração de pessoas de fora, como a do radialista, jornalista e historiador Nico Miranda, da cidade de Jataí, que muito ajudou no projeto e difusão da festa.

Então, através dessas pessoas e de muitos outros voluntários, quero agradecer a todos que contribuíram para que a Festa do Carreiro se tornasse realidade, transformando-se num evento gigantesco.

Para muitos que ainda não conhecem a festa, o senhor destacaria algum ponto alto?
Valdineis Carrijo – É uma opinião muito pessoal, mas um dos pontos de maior relevância é o encerramento, no domingo, quando ocorre o desfile dos carros de boi e as comitivas de tropeiros. É um resgate da nossa história, uma oportunidade de reviver ao vivo e a cores como foi a vida dos nossos antepassados, seus meios de transporte, e fazer uma comparação com o mundo moderno e tecnológico onde hoje vivemos.

Mas a festa tem uma programação diversificada, inclusive shows fantásticos.

O almoço servido no Panelão, considerado o maior do Brasil, é outra grande atração…
Valdineis Carrijo – Sim. Mas tem uma história interessante por trás de sua criação.

A Festa do Carreiro foi ganhando projeção a cada edição e alimentar tanta gente passou a ser uma preocupação. Faltava comida nos bares, lanchonetes, restaurantes da cidade e até nos que estão localizados às margens das rodovias. Foi aí que surgiu a ideia de se construir uma panela gigante para fazer o almoço, com capacidade para alimentar até 10 mil pessoas.

Para se ter uma noção do seu tamanho, veja os ingredientes usados para a refeição: 500 quilos de arroz, carne de 2 bois, de 100 a 150 quilos de carne de sol, 100 quilos de linguiça suína, 6 sacos de tomate, 4 sacos de cebola, 30 quilos de alho. Depois de pronto, coloca-se ainda uns 100 quilos de queijo.

É uma comida muito saborosa e lembra um pouco a alimentação feita pelos nossos tropeiros que levavam boiadas daqui para São Paulo, tocadas a cavalo. A carne de sol, por exemplo, era a única que podia ser usada nessa viagem, que durava mais de dois meses.

O Panelão passou então a ser uma atração da Festa do Carreiro, e já percorreu mais de 300 municípios brasileiros como convidado, fazendo comida para multidões.

Agende aí, no dia 21 de maio, domingo, teremos o arroz carreteiro do Panelão da Portela.

Quando idealizou o evento o senhor imaginava que ele atingisse tamanha proporção?
Valdineis Carrijo – Jamais. Era difícil imaginar uma participação tão grande de visitantes, chegando a atingir 50 mil pessoas nos dias de festa. Foi uma ascensão muito rápida. A gente percebeu que a cidade de Portelândia ficou pequena, desproporcional, diante do crescimento da festa, haja vista que a rede hoteleira da cidade e até a de Mineiros ficou pequena para receber tanta gente de fora, de vários estados e cidades vizinhas.

Mas nossa população é muito acolhedora, sempre recebe um parente ou amigo em casa durante os dias de festa. As estruturas das escolas sempre ficam à disposição para os carreiros e tropeiros que vêm de outros municípios.
Estamos atentos com a próxima festa e tudo faremos para que ela seja uma referência em termos de organização, segurança e comodidade.

O senhor vivenciou grandes momentos da Festa do Carreiro, destacaria algum?
Valdineis Carrijo – Acho que cada pessoa tem seu momento marcante. No meu caso, ele se deu no ano de 2010, quando nosso governador Alcides Rodrigues, acompanhado pelo senador Vanderlan Cardoso, o deputado federal Roberto Balestra e outros membros de sua comitiva, além de visitar a festa participaram do desfile a cavalo, juntamente com os tropeiros e carreiros, numa alegria contagiante. Foi um momento inesquecível e histórico para Portelândia.

Neste ano, durante a nova edição da Festa do Carreiro, esperamos que o governador Ronaldo Caiado possa vir prestigiar essa grande e tradicional festa goiana. Nossa torcida é que ele possa também montar num cavalo ou subir num dos carros de boi e participar do desfile juntamente conosco.

Uma das propostas da prefeita Marly foi a de resgatar a realização da Festa do Carreiro. Como estão os preparativos para a 12ª edição?
Valdineis Carrijo – Depois de vários anos sem a sua realização, em razão da pandemia e outros motivos, a gente percebe a expectativa, a ansiedade e a saudade que nossa população e os visitantes estão sentindo, contando os dias para a chegada da festa.

A prefeita Marly vai reativá-la, realizando uma edição à altura do nosso povo, à altura dos amantes da festa, até mesmo para compensar os anos em que ela ficou inativa.

Nas minhas duas gestões como prefeito e nas dos demais, tivemos apenas um show de renome. Desta vez, teremos três shows de nível nacional. Vamos também montar uma estrutura adequada para receber mais gente, pois esperamos um recorde de público neste ano.

Vamos realizá-la num local fechado, pensado em mais segurança. A portaria contará com detectores de metal, visando impedir a entrada de armas. Na área fechada não será permitida a venda de bebida em garrafa e nem copos de vidro, que também acabam tornando-se armas. Teremos uma melhor estrutura no que se refere a banheiros, arquibancadas, onde o público terá mais conforto para assistir os shows.

Que venha a festa então…
Valdineis Carrijo – Sim. E que ela seja abençoada por Deus, acima de tudo. Fica o convite em nome da prefeita Marly. Vamos nos reencontrar, nos divertir com muito amor, sempre buscando a harmonia e respeitando o nosso semelhante. Na Festa do Carreiro somos todos iguais. Vai preparando sua traia, seu animal e aquele traje que o carreiro, o tropeiro e o sertanejo sabem bem qual é. O berrante vai tocar de novo e o carro de boi vai cantar nas ruas de Portelândia.

ENTREVISTA: FERNANDO BRANDÃO
FOTOS: HELTON GONÇALVES E
PREFEITURA DE PORTELÂNDIA (ARQUIVO)

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